O último monitoramento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) a respeito da educação pública brasileira, publicado em julho, revelou uma série de questões preocupantes – mas que já estão no senso comum –, como o baixo nível de aprendizado dos alunos e a trajetória escolar irregular. Durante sua vida escolar inteira, Matheus Tomoto sentiu na pele os baixos Índices de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que, no ano passado, falharam novamente em atingir a meta.
Nascido em Sorocaba, no interior de São Paulo, sempre estudou em escola pública e trabalhou desde os 12 anos para complementar a renda da casa. Quando fez 15 anos, começou a estudar no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), na esperança de, com sorte, arranjar um emprego na indústria. Matheus não fazia ideia de que, alguns anos mais tarde, se tornaria pesquisador de engenharia em algumas das mais renomadas instituições do mundo, como Universidade Harvard, Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e Universidade Oxford.
“Quando falo da minha vida, as pessoas acham que eu tinha um plano pré-definido. Na verdade, eu era muito perdido”, diz Matheus, agora com 29 anos. “Durante a minha infância, não foi só o ensino que foi precário, mas toda a situação”, explica, contando que, por trabalhar o dia inteiro, por vezes caía no sono durante as aulas do Ensino Fundamental e Médio de tanto cansaço.
Apesar disso, o menino estava determinado em ajudar a família, mas sempre preocupado em ser bem sucedido. Já com um pé fora da educação básica, decidiu dar um passo além, mirando a educação superior. Pegando emprestado uma coleção de livros da pequena biblioteca escolar, traçou um plano de estudos para prestar o Enem, conseguindo uma bolsa de estudos na Faculdade de Engenharia de Sorocaba.
“Consigo contar nos dedos quantas vezes tive aulas de História no segundo e terceiro ano do Ensino Médio, e nunca tinha tido aulas de química”, conta. “Por isso, sinto que o vestibular foi minha primeira grande conquista, me fez pensar que não havia limites para o que eu podia aprender”. Abertas as portas para a faculdade, Matheus pensou que conseguiria um emprego ou estágio como engenheiro para ajudar os pais – à época, sua definição de “um bom salário” era 2.000 reais –, mas o mercado de trabalho provocou uma grande decepção.
Mesmo com o esforço e o bate-pernas na zona industrial de Sorocaba, entregando currículos a torto e a direito durante os primeiros anos da graduação, o emprego esperado não veio. “Comecei a achar que tinha algo de errado comigo”, diz o engenheiro, tentando pensar alternativas para contornar a situação. Foi então que Matheus, que nunca havia saído do país e nem falava outra língua, percebeu que uma saída seria complementar sua educação fora do Brasil.
Sem recursos para pagar um curso de inglês, pré-requisito para as bolsas no exterior, decidiu novamente estudar sozinho. Depois da maratona mais intensa de estudos de sua vida e de reprovar duas vezes no exame de proficiência TOEFL, conseguiu uma bolsa integral na Purdue University, no estado americano de Indiana, considerada uma das 50 melhores do mundo na área de engenharia.
“Minha vida mudou”, afirma, sem poupar hipérboles. “Percebi que eu não era burro, não era uma pessoa sem talento e que, talvez, antes eu estivesse em um ambiente que não me entendia”, completa, referindo-se às instituições de ensino brasileiras. Aproveitando a estadia nos Estados Unidos, enviou para centenas de instituições americanas um currículo junto a uma carta contando sua história de vida, sendo selecionado para um estágio de pesquisa no MIT. Depois de completar seus estudos na Purdue, o instituto de tecnologia chegou a oferecer uma bolsa para Matheus realizar um mestrado, mas ele recusou.
“Meu maior desejo era, e ainda é, mudar a educação brasileira”, afirma. Por isso, voltou para o Brasil e iniciou um projeto social. Durante dois anos, investiu todas as economias feitas com o estágio nos Estados Unidos para realizar palestras em mais de 200 cidades sobre protagonismo, criação de oportunidades, habilidades emocionais e profissionalização. A iniciativa chegou a atingir cerca de 10 milhões de jovens e, por isso, o engenheiro representou o Brasil na Delegação Brasileira de Jovens nas Nações Unidas.
Contudo, quando o dinheiro acabou, o projeto chegou ao fim. “Percebi que era impossível mudar a educação do Brasil em tão larga escala, tão pouco tempo e sozinho”, conta Matheus.
Foi quando o engenheiro criou a plataforma Universidade do Intercâmbio, onde oferece consultorias a brasileiros que desejam ir ao exterior para estudar, trabalhar ou desenvolver o inglês. Ele também iniciou uma consultoria educacional para universidades e professores brasileiros, sendo um dos precursores da tecnologia Fab Lab no Brasil – a aula mais famosa do MIT, “Como você pode criar qualquer coisa”.
Depois disso, decidiu voltar ao exterior para estudar, passando dois anos em Harvard como pesquisador e dando continuidade ao projeto pessoal de dicas online para brasileiros. “Quando estava em Harvard, pensei em ficar por lá para dar aula, mas descobri que leva até 12 anos para tornar-se PhD. Isso iria me impedir de fazer alguma coisa sobre a educação no Brasil”, diz. “Meu conceito é de ir estudar lá fora, mas sempre retornar, para impedir a fuga de cérebros do país”.
“Não quero ser ministro, nem nada parecido. Só quero ajudar a transformar o ensino do país a ponto de um filho meu não passar pelas mesmas dificuldades que eu passei”, explica Matheus.
Em 2019, já recuperado financeiramente, voltou a terras tupiniquins com o sonho de mudar a educação renovado. Para entender o que estava faltando no ensino, decidiu começar uma jornada para vivenciar as melhores universidades do mundo. O objetivo principal era descobrir e aplicar no Brasil as melhores estratégias de cada um desses lugares – já coletou, além de Harvard e MIT, experiências nas universidades Stanford e Oxford –, mas também queria provar que brasileiros conseguem acesso a programas de ensino considerados “impossíveis”.
“Enquanto a educação do Brasil não muda, sigo com o plano B, que é ajudar as pessoas daqui a estudarem fora”, diz. Segundo ele, ao menos 25 dos 30 programas de Harvard são acessíveis, apesar da concepção dos brasileiros ser outra.
Em seu canal do YouTube, parte gratuita de seu serviço de consultoria, um de seus vídeos mais acessados chama-se “10 Maneiras de Passar na Harvard University”. Muitos poderiam ignorá-lo, pensando ser um click-bait, mas Matheus garante que consegue ajudar qualquer um a ser aceito pela instituição renomada com seis meses de preparo. A reivindicação, se aparentemente prepotente, não deixa de ser genuína – afinal, ele é a prova viva de que não há limites para o que se pode aprender.