Bruno Dantas afirmou, em rede social, que indicação de verbas do Fundeb e de precatórios para custear programa é possível ‘truque’ para ‘esconder fuga do teto de gastos’. Relator diz que Renda Cidadã vai ser financiado com recursos do Fundeb e dos precatórios
O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas criticou nesta segunda-feira (28), em rede social, a proposta de usar verbas de precatórios e do principal fundo de educação básica para custear o novo programa social do governo, o Renda Cidadã.
Segundo Dantas, as propostas parecem “truques” para “esconder fuga do teto de gastos”. O ministro disse ainda que o teto, que impede as despesas públicas de crescerem mais que a inflação, não tem estimulado a economia do gasto público, e sim, a “criatividade” dos gestores.
“Sobre usar dinheiro de precatórios, também parece truque para esconder fuga do teto de gastos: reduz a despesa primária de forma artificial porque a dívida não desaparece, apenas é rolada para o ano seguinte. Em vez do teto estimular economia de dinheiro, estimulou a criatividade”, diz Dantas.
O desenho idealizado pelo governo para o Renda Cidadã foi anunciado nesta segunda após reunião entre ministros, líderes partidários e o presidente Jair Bolsonaro. Segundo o relator do Orçamento 2021, senador Márcio Bittar (MDB-AC), o programa será custeado:
por recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), e
por recursos previstos no orçamento para o pagamento de precatórios, ou seja, dívidas do governo já reconhecidas pela Justiça.
Na postagem, Bruno Dantas critica as duas fontes. Segundo o ministro, usar o recurso do Fundeb – que não está sujeito ao teto – para financiar outro programa é o mesmo que inserir uma exceção no teto de gastos. Para ele, isso deveria ser feito “às claras”.
“Emenda constitucional pode mudar o teto de gastos? Juridicamente, claro que sim. O problema é o significado político para o compromisso com gestão fiscal responsável. Emenda constitucional pode tirar dinheiro do Fundeb para mascarar mudança do teto? Pode, mas por que tergiversar?”, questiona.
“Explicando: a EC 95 exclui do teto de gastos a despesa com o FUNDEB. Inflar o FUNDEB para, em seguida, dele tirar 5% para financiar outro programa, é rigorosamente o mesmo que inserir mais uma exceção no parágrafo 6º do art. 107 [da Constituição, onde está previsto o teto]. Por que não fazê-lo às claras?”, prossegue Dantas.
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Novo programa
Segundo Márcio Bittar, o novo programa social será incluído na proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata dos gatilhos do teto de gastos. Conhecida como “PEC Emergencial”, essa proposta também passará a ser relatada pelo senador.
Bittar participou com líderes partidários e ministros de uma reunião no Palácio do Alvorada com o presidente Jair Bolsonaro. Eles fizeram uma pausa no encontro para anunciar à imprensa o novo programa de transferência de renda.
Segundo o senador Márcio Bittar, o governo passou os últimos dias buscando uma fonte de financiamento para o Renda Cidadã – o que, diz ele, “não foi fácil”.
No pronunciamento à imprensa, o governo não deu outros detalhes sobre o Renda Cidadã. Não foi informado, por exemplo, o valor que cada beneficiário receberá ou quando o benefício começará a ser pago. De acordo com o blog do Gerson Camarotti, o valor deverá ficar entre R$ 200 e R$ 300.
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Outras críticas
O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, Felipe Salto, também criticou a proposta, em entrevista à GloboNews. Segundo ele, as fontes de recursos apontadas fazem um “desvio” em relação ao teto de gastos.
“É uma medida ruim (adiar os precatórios). Está no limite do que seria considerado calote ou não. Na prática, essa despesa é jogada para a frente. Então, você cria uma incerteza muito grande”, disse.
Para Salto, a proposta cria a impressão de que o compromisso do governo com o teto de gastos é apenas “para inglês ver”.
“Você quer manter o teto, mas, para isso, usa mecanismos que representam não cortar, na verdade, nenhum centavo da despesa pública.”
O diretor da IFI lembra que as verbas do Fundeb não estão sujeitas ao teto, e que transferir 5% desse orçamento ao Renda Cidadã seria, portanto, uma espécie de “drible” na rega fiscal.
“Qual é o jeito de se criar despesa sem afetar o teto? É fazer essas coisas que foram anunciadas hoje: subterfúgios que vão criando um ambiente muito ruim, que lembra muito o da chamada contabilidade criativa, que tão mal fez ao país por meio da distorção das metas de resultado primário.”
A diretora-executiva do Todos Pela Educação, Priscila Cruz, afirma que o uso do Fundeb é uma tentativa de burlar a lei do teto e que o Congresso Nacional precisa fazer frente a esse tipo de manobra.
Já o economista e professor da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Ellery afirmou, em rede social, que deixar de pagar precatórios para financiar aumento de gastos é “muito parecido com calote”.
A proposta apresentada pelo governo também recebeu críticas do Congresso. O líder do Cidadania na Câmara, deputado Arnaldo Jardim (SP), afirma que a proposta é frágil. “Estamos dispostos a analisar as propostas que vem do governo, mas o governo precisa melhorar a qualidade do que propõe”, disse.
A líder do PCdoB, deputada Perpétua Almeida (AC), diz que a proposta de retirar recursos do Fundeb para financiar o novo programa social é um “calote na educação básica”.
“Além de minar os recursos da educação, o governo ainda quer adiar precatórios deixando suas dívidas para outros governos pagarem. Não dá para concordar com essa proposta do governo”, disse.