Relatório da Defensoria Pública aponta violações de direitos humanos em ações da Prefeitura de SP na região da Cracolândia

Documento cita que atuação da Guarda Civil Metropolitana é violenta e desrespeita regras definidas em decreto e portaria municipais. Administração diz que não compactua com condutas inadequadas, e que atuação da GCM é pautada no respeito à dignidade das pessoas.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo afirmou em um relatório enviado à Prefeitura da capital paulista ter encontrado violações de direitos humanos ao cumprimento de regras definidas pela própria administração municipal durante os trabalhos de atendimento e tratamento à população de rua e usuários de drogas na região da Cracolândia, no Centro da Cidade.

No documento, obtido em primeira mão pela GloboNews, o Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado afirma que a Guarda Civil Metropolitana, em boa parte pela equipe de Inspetoria Regional de Operações Especiais (IOPE), tem realizado revistas e triagem dos frequentadores da Cracolândia e que “o ingresso ao espaço é feito de forma violenta e cercando as possíveis saídas da rua onde há maior concentração de pessoas, o que leva a uma rápida dispersão daqueles que se encontram ao local”.

Segundo os defensores, mesmo caracterizada como uma ação de zeladoria, a GCM não acompanha os trabalhos para colaborar na mediação de conflitos e assegurar a proteção de todos os envolvidos nas ações, como funcionários, população em geral e em situação de rua, e que maioria das pessoas abandona seus pertences e não tem a possibilidade de obter o número do lacre para recuperação dos bens, como define o decreto municipal.

“É certo que a atuação da Guarda Civil Metropolitana com seus armamentos ostensivos, agressividade e arbitrariedade em um território marcado por altíssimos índices de vulnerabilidade (com a gravíssima conjugação de pobreza, violência extrema, consumo habitual e problemático de drogas, especulação imobiliária e exploração política) em nada contribui com o êxito de operações de limpeza urbana. Ao contrário, atua no sentido de ampliar a conflituosidade no espaço urbano, aumentar a violência contra a população vulnerável e amplia a degradação urbana local. Tudo isso com alto custo para o erário público, sem nenhuma eficácia comprovada ou planejada e de forma a violar direitos fundamental.”, cita o documento.

Procurada pela GloboNews, a Prefeitura de São Paulo não comentou o relatório da Defensoria Pública, mas afirmou que não compactua com condutas inadequadas e que, desde 2002, a corporação conta com uma Corregedoria Geral, responsável por apurar rigorosamente todos os casos suspeitos de desvios de conduta de seus agentes.

Em nota, a Prefeitura afirmou ainda que a atuação da Guarda Civil Metropolitana “é pautada no respeito aos direitos humanos e na dignidade das pessoas”.

Vídeos mostram abordagens
Vídeos anexados ao relatório mostram os guardas civis metropolitanos usando máscaras, cassetes e escudos. Na revista no dia 4 de abril de 2023 realizada em usuários de drogas que permanecem mesmo após a dispersão, os GCMs conversa com um dos frequentadores apontando o cassete para os pertences dele.

O que se observa é que ele aponta quais itens ele pode levar consigo. A Defensoria diz que as abordagens são arbitrárias e que flagrou o momento em que um guarda exigia, por exemplo, notas fiscais de carrinhos de supermercado.

Em outro vídeo, vans da Prefeitura chegam após a abordagem e revista feitas pelos guardas, o que viola as regras municipais.

O Núcleo de Direitos Humanos ressalta no relatório que a função da Guarda Civil é a de “acompanhar as ações de zeladoria, atuando, exclusivamente, na salvaguarda dos direitos dos trabalhadores e agentes públicos que realizam a ação e na preservação dos direitos das pessoas afetadas pelas ações de zeladoria”.

Além disso, o documento cita que pessoas ouvidas pela Defensoria relataram que as operações de zeladoria ocorrem duas vezes ao dia sem qualquer aviso prévio.

“As próprias equipes dos serviços de abordagem social (SEAS) não são informadas do horário das ações, o que acaba interferindo na possibilidade de realizar abordagens e construir vínculos com usuário, já que as operações implicam na dispersão do fluxo e nas dificuldades de estabelecer relações de confiança entre os agentes da assistência social e usuários”.

Os defensores fizeram a fiscalização porque receberam denúncias de violação de direitos humanos no local e porque um procedimento administrativo aberto pelo órgão em 2015 acompanha o cumprimento por parte da Prefeitura.

Em um ofício enviado na terça-feira (10) ao prefeito Ricardo Nunes (MDB) e à secretária de Segurança Urbana, Elza Paulina de Souza, a Defensoria Pública dá um prazo de 10 dias para que eles respondam a cinco questionamentos.

Entre eles está o pedido de explicações sobre o fato de a Guarda Civil Metropolitana ter realizado a limpeza urbana, triagem e revista das pessoas no local, e não agentes da limpeza urbana.

Cracolândia é desafio há décadas
A Cracolândia ficou localizada por muitos anos na Rua Helvétia. Ações policiais no local, porém, fizeram os usuários migrarem para a Praça Princesa Isabel diversas vezes.

Em 2017, porem, depois de uma operação das forças de segurança, os usuários foram retirados do local e acabaram se espalhando pelo Centro. Atualmente, eles estão mais concentrados no cruzamento da Rua Conselheiro Nébias e Rua dos Gusmões.

A Cracolândia é um desafio para São Paulo há cerca de 30 anos. Especialistas apontam que a solução passa por medidas efetivas e permanentes nas áreas de saúde, assistência social e segurança pública.

As operações são criticadas por movimentos sociais. Ativistas acusam as forças de segurança de agirem com violência contra usuários de drogas, espalhando eles pela cidade.

Recentemente, a proposta sobre a internação compulsória de usuários de crack e outras drogas que frequentam e moram na região da “Cracolândia” voltou a ganhar força dentro da Prefeitura da capital.

Segundo apurado pela GloboNews, a equipe do prefeito Ricardo Nunes (MDB) está convicta de que não há outra alternativa para tratamento de dependentes que frequentam o local a não ser a internação mediante determinação judicial.

O Diário Regional

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